20
(Pablo Neruda)
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: “A noite está estrelada
e tiritam, azuis, os astros à distância”.
O vento desta noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a quis e por vezes ela também me quis.
Em noites como esta apertei-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela me quis e às vezes eu também a queria.
Como não ter amado seus grandes olhos fixos?
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.
Ouvir a noite imensa mais profunda sem ela.
E cai o verso na alma como o orvalho no trigo.
Que importa se não pôde o meu amor guardá-la?
A noite está estrelada e ela não será comigo.
Isso é tudo. À distância alguém canta. À distância.
Minha alma se exaspera por havê-la perdido.
Para tê-la mais perto meu olhar a procura.
Meu coração procura-a, ela não está comigo.
A mesma noite faz brancas as mesmas árvores.
Já não somos os mesmos que antes tínhamos sido.
Já não a quero, é certo, porém quanto a queria!
A minha voz no vento ia tocar-lhe o ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes de meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro, seus olhos infinitos.
Já não a quero, é certo, porém talvez a queira.
Ah, é tão curto o amor e tão demorado o olvido.
Porque em noites como esta a apertei nos meus braços
minha alma se exaspera por havê-la perdido.
Mesmo que seja a última esta dor que me causa
e estes versos os últimos que eu lhe tenha escrito.
NERUDA. Pablo. 20 Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada. Tradução de Domingos Carvalho da Silva, ilustrações de Carybé. 12a. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986.
segunda-feira, 8 de outubro de 2007
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4 comentários:
Saudade daqui. Andei tão ausente de tudo. Vou ler com calma.
Beijo
Pablo Neruda o inesquécivel nome da arte de bem poetizar.
Bom início de semana
Bjs Zita
Sempre agradavel de ler Neruda...
Obrigado!
ui...tão belO!
*
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