terça-feira, 17 de abril de 2007

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

NECROLÓGIO DOS DESILUDIDOS DO AMOR
(Carlos Drummond de Andrade)



Os desiludidos do amor
estão desfechando tiros no peito .
Do meu quarto ouço a fuzilaria.
As amadas torcem-se de gozo.
Oh quanta matéria para os jornais.

Desiludidos mas fotografados,
escreveram cartas explicativas,
tomaram todas as providências
para o remorso das amadas.

Pum pum pum adeus, enjoada.
Eu vou, tu ficas, mas nos veremos
seja no claro céu ou turvo inferno.

Os médicos estão fazendo a autópsia
dos desiludidos que se mataram.
Que grandes corações eles possuíam.
Vísceras imensas, tripas sentimentais
E um estômago cheio de poesia...

Agora vamos para o cemitério
levar os corpos dos desiludidos
encaixotados competentemente
(paixões de primeira e de segunda classe).

Os desiludidos seguem iludidos,
sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perdendo o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.


ANDRADE, Carlos Drummond Sentimento do mundo. Rio de Janeiro: Record, 1993.

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