quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

NIETZSCHE (22)



Nietzsche
Em
Da Utilidade e dos inconvenientes da história para a vida.





“O homem que procura compreender, calcular, apreender, no momento em que deveria fixar na sua memória, como um longo sobressalto, o acontecimento incompreensível que o sublime constitui, pode ser considerado inteligente, no sentido em que Schiller fala da inteligência do homem inteligente; há coisas que uma criança vê e que ele não vê.

Não será capaz de ver o pormenor único, exatamente o mais importante, não o compreenderá, porque a sua inteligência é mais pueril do que a de uma criança e mais vã que a de um simples de espírito, apesar das numerosas rugas da sua face manhosa e encanecida e das suas mãos hábeis para desfazer as redes mais complicadas.

Resulta isto de que, tendo perdido e destruído o seu instinto, ele não ousa soltar o freio do “animal divino” quando a sua inteligência vacila e o seu caminho passa por desertos.

O indivíduo torna-se então timorato e hesitante e perde a confiança em si; dobra-se sobre si próprio, sobre a sua “interioridade”, isto é, neste caso, sobre um amontoado de coisas apreendidas que não têm qualquer ação sobre o exterior e sobre um saber que não se transforma em vida.

Visto de fora, apercebemo-nos de que a extirpação dos instintos pela história transforma os homens em outras tantas sombras e abstrações.

Ninguém mais ousa ser ele próprio, todos trazem máscaras, disfarçam-se de homens cultos, de poetas, de políticos.

Quando se ataca uma máscara destas, crendo que ela se leva a sério e não se trata de um simples fantoche – todas dão mostras de grande seriedade – fica-se nas mãos com trapos e ouropéis de cores variegadas”.








NIETZSCHE, F. Considerações Intempestivas. Tradução de Lemos de Azevedo. Lisboa: Presença, 1976.

Um comentário:

vanessa cony disse...

Por isso acho que ser criança é um grande privilégio.Mas enfim crescemos,fazer o que.
Um abraço!