quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

CASSIANO RICARDO (2)



Canção do Medo
(Cassiano Ricardo)




A vida está sempre escondida
no seu grande, seu feroz segredo.
Não é a morte que me põe medo;
é a vida.

Fere-me ouvir, durante a noite,
o meu coração funcionando...
Pobre coração errado
culpado da minha alegria.
Parece que o ouço, algum dia,
como um músculo que soluça
já retirado do meu peito
e ainda vivo, sobre a mesa,
para alguma experiência russa.
Não é a morte que me intimida,
é a vida.

Não há nada que me desoerte
maior temor do que o destino.
O que está por acontecer.
O mistério que nos irmana
(por qualquer coisa de divino)
a outra criatura humana.

Destino, noturno destino
que sabemos estar nos espiando
como um misterioso conviva
pelo olhar da pessoa viva.
Não é a morte que me amedronta;
é a vida.

Há uma rosa rubra, é a rosa
de sangue que ficou na calçada,
depois da fúria homicida.
As rosas que eram cor-de-rosa
agora estão brancas de medo.
Não é a morte que me põe medo;
é a vida.




CASSIANO RICARDO. Antologia Poética.Seleção de Rubem Braga. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1964.

Sobre o autor:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cassiano_Ricardo

3 comentários:

Alessandra Espínola disse...

É rubra a vida
é ela que sangra aqui dentro
é ela quem me chama lá fora
es la vida!
Beijo grande ;)

Anônimo disse...

Não conhecia e gostei muito.

também acho que a vida, apesar de fantástica, faz mai medo que a morte.
A morte é destino certo, a vida...sim é difícil, mas tão boa.

un dress disse...

sabor a fado! :)