terça-feira, 18 de março de 2008
TORQUATO NETO (3)
ANTES QUE ZARPE A NAVILOUCA
Publicado por Torquato Neto em sua coluna Geléia Geral, no jornal Última Hora. {Rio de Janeiro, sexta-feira, 25 de fevereiro de 1972}.
* Comandos do ar informam sobre a temperatura vigente nos dois pólos da questão: tudo azul e escuro. Olha o telex: azul muito escuro do lado de cá enquanto as cobras se decifram à beira da piscina azul-escura do super-hotel de luxo às margens das águas artificiais, em Pindorama Palace.
* Informações gerais pra quem se liga: a paisagem aguarda inquieta resoluções dos altos escalões das cobras. Hoje é sexta-feira o que será no sábado entrante pela próxima semana? Perguntas e respostas variadas, conforme o tempo provável da duração da alvorada, gracias.
* Miedo de perder-te, adiós amor que já me voy, e muito em breve parto mesmo e por enquanto ainda espero inquieto resoluções que não posso compreender em voz mais alta. Agora & sempre assim, conforme for.
* Carroções rondam a madrugada em pleno dia meio-dia sol com chuva tudo a pino tudo ao menos, menos dia, chuva no lugar. O que me dizes? Faz hoje quatro noites que não durmo, aguardo informações e decisões dos altos escalões das cobras das esferas rolantes nacionálicas e da ferocidade amável do País.
* Enquanto isso eu pergunto a ti, neste silêncio: quem me ama por aqui?
* Silêncio, meu amor.
* A moral do cangaço geral é com um N a menos pelo medo manso cordeirinho da miséria. Eu sei bem os sorrisos que me esperam do outro lado e aguardo que apenas o essencial se cumpra.
* Noticiário rodante: agulhas negras apontam em minha direção os pontos da comoção geral. Emoção: apontam como foguetes loucos desgovernados. Primeira providência do mais novo: expulsar dois mil!
* Meu coração despedaçado não agüenta mais, não quer não pode não tem tempo não tem nada que me faça ficar sentado deitado de pé esperando, haja fogo, meu coração na agüenta ficar sentado, calado sofrendo morrendo debaixo da chuva na beira da calçada no meio do caminho, vereda tropical, esgoto das maravilhas, ilhas, trilhas, musical, calma calamidade, fevereiro, março, abril.
* Até que pinte outra maneira de viver em paz.
* Até que não me queiram mais calado embora eu nunca fique como me adoravam, sabe? Até que a morte me separe e reintegre após transações heurísticas, sabe? Até que tudo igual a nada igual à poeira da ossada, sabe? Até que um dia, enfim!
Torquato Neto. Torquatália: obra reunida de Torquato Neto. Organização de Paulo Roberto Pires. v. 2. Geléia Geral. Rio de Janeiro: Rocco, 2004.
Sobre o autor:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Torquato_Neto
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