quinta-feira, 30 de outubro de 2008

PIERRE CLASTRES



Pierre Clastres
Em
A Sociedade Contra o Estado.







“Chefia e linguagem estão, na sociedade primitiva, intrinsecamente ligadas; a palavra é o único poder concedido ao chefe: mais do que isso, a palavra é para ele um dever.

Mas há uma outra palavra, um outro discurso, articulado não pelos chefes, mas por esses homens que, nos séculos XV e XVI, arrastavam atrás de si milhares de índios em loucas migrações em busca da pátria dos deuses: é o discurso do karai, é a palavra profética, palavra virulenta, eminentemente subversiva que chama os índios a empreender o que se deve reconhecer como a destruição da sociedade.

O apelo dos profetas para o abandono da terra má, isto é, da sociedade tal como ela era, para alcançar a Terra sem Mal a sociedade da felicidade divina, implicava a condenação à morte da estrutura da sociedade e do seu sistema de normas.

Ora, a essa sociedade se impunha cada vez mais fortemente a marca da autoridade dos chefes, o peso de seu poder político nascente.

Talvez então possamos dizer que, se os profetas, surgidos do coração da sociedade, proclamavam mau o mundo em que os homens viviam, é porque eles revelavam a infelicidade, o mal, nessa morte lenta à qual a emergência do poder condenava, num prazo mais ou menos longo, a sociedade tupi-guarani, como sociedade primitiva, como sociedade sem Estado.

Habitados pelo sentimento de que o antigo mundo selvagem tremia em seu fundamento, perseguidos pelo pressentimento de uma catástrofe sócio-cósmica, os profetas decidiram que era preciso mudar o mundo, que era preciso mudar de mundo, abandonar o dos homens e ganhar o dos deuses”.







CLASTRES, Pierre. A Sociedade Contra o Estado. Tradução de Theo Santiago. 4ª. Ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.

Sobre o autor:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pierre_Clastres

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