sexta-feira, 11 de junho de 2010

ÁLVARES DE AZEVEDO (3)



VAGABUNDO
(Álvares de Azevedo)




Eu durmo e vivo no sol como um cigano,
Fumando meu cigarro vaporoso;
Nas noites de verão namoro estrelas;
Sou pobre, sou mendigo, e sou ditoso!

Ando roto, sem bolsos nem dinheiro;
Mas tenho na viola uma riqueza;
Canto à noite serenatas,
E quem vive de amor não tem pobreza.

Não invejo ninguém, nem ouço a raiva
Nas cavernas do peito, sufocante,
Quando à noite na treva em mim se entornam
Os reflexos do baile fascinante.

Namoro e sou feliz nos meus amores;
Sou garboso e rapaz... Uma criada
Abrasada de amor por um soneto
Já um beijo me deu subindo a escada...

Oito dias lá vão que ando cismando
Na donzela que ali defronte mora,
Ela ao ver-me sorri tão docemente!
Desconfio que a moça me namora!...

Tenho por meu palácio as longas ruas;
Passeio a gosto e durmo sem temores;
Quando bebo, sou rei como um poeta,
E o vinho faz sonhar com os amores.

O degrau das igrejas é meu trono,
Minha pátria é o vento que respiro,
Minha mãe é a lua macilenta,
E a preguiça a mulher por quem suspiro.

Escrevo na parede as minhas rimas,
De painéis a cavalo adorno a rua;
Como as aves do céu e as flores puras
Abro meu peito ao sol e durmo à lua.

Sinto-me um coração de Lazzaroni;
Sou filho do calor, odeio o frio;
Não creio no diabo nem nos santos...
Rezo à Nossa Senhora, e sou vadio!

Ora, se por aí alguma bela
Bem doirada e amante da preguiça
Quiser a nívea mão unir a minha
Há de achar-me na Sé, domingo, á missa.







AZEVEDO, Álvares de. Poemas Irônicos, Venenosos e Sarcásticos. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000088.pdf


Sobre Álvares de Azevedo clique
http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81lvares_de_Azevedo

Um comentário:

Anna Flávia disse...

'E quem vive de amor não tem pobreza.' Que beleza. :)