sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

ALBERT CAMUS



Albert Camus
Em
O Estrangeiro.







“Pensei que bastava dar meia-volta e tudo estaria acabado.
Mas, atrás de mim, comprimia-se toda uma praia vibrante de sol.
Dei alguns passos em direção à nascente.
O árabe não se mexeu.
Apesar disso, estava ainda muito longe.
Parecia sorrir, talvez por causa das sombras sobre o seu rosto.
Esperei.
A ardência do sol ganhava-me as faces e senti gotas de suor se acumularem nas minhas sobrancelhas.
Era o mesmo sol do dia em que enterrara mamãe, e, como então, doía-me sobretudo a testa, e todas as suas veias batiam juntas debaixo da pele.
Por causa desta queimadura, que já não conseguia suportar, fiz um movimento para frente.
Sabia que era estupidez, que não me livraria do sol se desse um passo.
Mas dei um passo, um só passo à frente.
E, desta vez, sem se levantar, o árabe tirou a faca, que ele me exibiu ao sol.
A luz brilhou no aço e era como se uma longa lâmina fulgurante me atingisse na testa.
No mesmo momento, o suor acumulado nas sobrancelhas correu de repente pelas pálpebras, recobrindo-as com um véu morno e espesso.
Meus olhos ficaram cegos, por trás desta cortina de lágrimas e de sal.
Sentia apenas os címbalos do sol na testa e, de modo difuso, a lâmina brilhante da faca sempre diante de mim.
Esta espada incandescente corroia as pestanas e penetrava meus olhos doloridos.
Foi, então, que tudo vacilou.
O mar trouxe um sopro espesso e ardente.
Pareceu-me que o céu se abria em toda a sua extensão, deixando chover fogo.
Todo o meu ser se retesou e crispei a mão sobre o revólver.
O gatilho cedeu, toquei o ventre polido da coronha e foi aí, no barulho, ao mesmo tempo seco e ensurdecedor, que tudo começou.
Sacudi o suor e o sol.
Compreendi que destruira o equilíbrio do dia, o silêncio excepcional de uma praia onde havia sido feliz.
Então, atirei quatro vezes ainda num corpo inerte, em que as balas se enterravam sem que se desse por isso.
E era como se desse quatro batidas secas na porta da desgraça”.





CAMUS, Albert. O Estrangeiro. Tradução: Valerie Rumjanek. Rio de Janeiro: Record, 1995.

Sobre o autor:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Albert_Camus

Um comentário:

Anna Flávia disse...

o que houve com o twitter?