sexta-feira, 23 de outubro de 2009
BERNARDO GUIMARÃES
À sepultura de um escravo
(Bernardo Guimarães)
Também do escravo a humilde sepultura
Um gemido merece de saudade:
Uma lágrima só corra sobre ela
De compaixão ao menos...
Filho da África, enfim livre dos ferros
Tu dormes sossegado o eterno sono
Debaixo dessa terra que regaste
De prantos e suores.
Certo, mais doce te seria agora
Jazer no meio lá dos teus desertos
À sombra da palmeira, não faltara
Piedoso orvalho de saudosos olhos
Que te regasse a campa;
Lá muita vez, em noites d’alva lua,
Canção chorosa, que ao tanger monótono
De rude lira teus irmãos entoam,
Teus manes acordara:
Mas aqui – tu aí jazes como a folha
Que caiu na poeira do caminho,
Calcada sob os pés indiferentes
Do viajor que passa.
Porém que importa – se repouso achaste,
Que em vão buscavas neste vale escuro,
Fértil de pranto e dores;
Que importa – se não há sobre esta terra
Para o infeliz asilo sossegado?
A terra é só do rico e poderoso,
E desses ídolos que a fortuna incensa,
E que, ébrios de orgulho,
Passam, sem ver que co’as velozes rodas
Seu carro d’ouro esmaga um mendigante
No lodo do caminho!...
Mas o céu é daquele que na vida
Sob o peso da cruz passa gemendo;
É de quem sobre as chagas do inditoso
Derrama o doce bálsamo das lágrimas;
E do órfão infeliz, do ancião pesado,
Que da indigência no bordão se arrima;
Do pobre cativo, que em trabalhos
No rude afã exala o alento extremo;
- O céu é da inocência e da virtude,
O céu é do infortúnio.
Repousa agora em paz, fiel escravo,
Que na campa quebraste os ferros teus,
No seio dessa terra que regaste
De prantos e suores.
E vós, que vindes visitar a morte
O lúgubre aposento,
Deixai cair ao menos uma lágrima
De compaixão sobre essa humilde cova;
Aí repousa a cinza do Africano,
- O símbolo do infortúnio.
GUIMARÃES, Bernardo J. da Silva. Canto da Solidão. 2ª. Ed. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/fs000047pdf.pdf
Sobre Bernardo Guimarães clique no linque abaixo:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Bernardo_Guimar%C3%A3es
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